O ACIDENTE

Muitos anos passaram até a minha vida ter um pouco mais de paz. Os meus filhos tinham crescido, tinha criado riqueza e agora sentia-me no direito de desfrutar um pouco disso. Era então moda os jipes e eu queria ter um. A pessoa com quem era casada não achava nenhuma graça e não queria. A resposta sempre que eu falava nisso era: "Não!" Mas afinal o carro não era para eu andar? E não ganhava eu o meu próprio dinheiro? Ia ter um jipe sim. Queria um daqueles carros altos de onde podia ver tudo e robusto para poder chegar aos sítios lindos da serra que de outra forma era impossível. Fui a uma cidade vizinha comprar o jipe. No dia em que telefonaram para ir buscá-lo sai de casa na maior euforia, mas esta duraria pouco. Quando cheguei o vendedor explicou-me tudo o que eu precisava saber e entregou-me a chave. Foi nesse preciso instante que voltou tudo. Vi com clareza, um acidente. Eu ia ter um acidente com este jipe. E agora? Se dissesse que não queria o jipe porque ia ter um acidente internavam-me como louca. Ninguém acreditaria em mim. Não podia contar a ninguém. Sempre que saia de casa no jipe não passava dos 30 km/h. Não sabia qual o dia ou onde ia acontecer. Andava em pânico. No fim-de-semana a seguir a ter recebido o jipe fomos à aldeia visitar os meus sogros. Estacionamos o jipe nas traseiras da Igreja. No momento em que saímos para a rua chegou um senhor conhecido para nos cumprimentar e na despedida disse para o meu marido: 

- Vais ter um acidente com esse carro. 

Meu Deus, afinal havia mais alguém que também via. O meu marido sem saber de nada ficou furioso: 

- Gente invejosa, não podem ver nada a um individuo. 

- Talvez não seja inveja. - respondi. - Talvez o homem tenha visto alguma coisa.

- Qual quê? Estás é maluca. Ele está a agoirar, nada mais.

- Não me pareceu, até porque eu própria vi o mesmo quando me puseram a chave na mão.

- Tu não estás boa da cabeça!

A conversa terminou ali. Um mês mais tarde, quando o jipe tinha apenas 900 km aconteceu o acidente. Era uma quarta-feira, dia do aniversário da minha filha. Tínhamos que chegar cedo a casa. O pai decidiu levar o jipe. Não sabia que piada eu achava a um jipe, mas queria experimentá-lo. Numa recta, em plena ultrapassagem, à nossa frente apareceu um BMW vermelho, como se fosse o próprio diabo saído do inferno. No embate a roda dianteira do lado direito saltou e o jipe dirigiu-se, completamente descontrolado, para um poste de electricidade. Pensei: "Vamos bater no poste, vai cair-nos em cima e vamos morrer." A uma mão travessa do poste o jipe capotou e nós não tivemos um único arranhão.

Eu sabia que aquele acidente era apenas um aviso. Não era eu que estava ao volante e nem voltaria a estar. Quando o meu marido perguntou se mandava reparar o jipe, respondi que não. Não queria mais aquele carro. Anos mais tarde soube que a pessoa que veio a comprar o jipe, tinha tido um acidente e tinha ficado sem ambas as pernas.


(Retirado do livro de Mary Sil)







PAZ DIVINA

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