HÁ MUITO, MUITO TEMPO...

Há muito tempo, num hospital edificado no sopé de uma montanha, nascia uma criança.
As ruas, os jardins, as árvores e os telhados das casas estavam cobertos por um branco e frio manto de neve. 
A criança foi recebida pelo frio do dia e pelo coração gelado de quem a olhava com a indiferença de quem olha para algo que não vai ficar por muito tempo. 
Aquele ser de apenas 2,100kg de pele escura, olhos encovados e cabelos negros não resistiria aos dias frios de inverno.
- Isto não se cria! 



"Nasci única e inimitável, igual a qualquer outro ser humano. Exactamente com as mesmas possibilidades ou talvez não. 

Um adulto pode decidir que caminho tomar e quais as escolhas a fazer, mas como pode uma criança fugir de uma infância horrível? 

São muitas as crianças que passam por enorme turbulência nas suas vidas. A umas falta-lhes um pai ou uma mãe, quem sabe até os dois. A outras, falta alimento na mesa, a outras alegria, a outras roupa para cobrir os seus corpos enregelados. A mim faltou-me AMOR. 

Sou uma vencedora. Sou-o porque ganhei a primeira e a mais importante competição de toda a minha existência. Contrariei estatísticas e desafiei regras matemáticas de probabilidade ao derrotar os milhões de concorrentes que comigo competiram a nadar freneticamente em direção ao útero. Não foi tarefa fácil. Somente um dos espermatozóides é bem-sucedido nessa corrida de mais de quarenta milhões de concorrentes. Foi um espermatozóide específico, do meu pai, que levou a um óvulo da minha mãe as moléculas de DNA que, com as dela, deram as instruções genéticas para eu estar aqui. Imagine se eu não tivesse vencido a minha primeira corrida, as minhas hipóteses eram praticamente inexistentes. Mas eu nunca admiti recuar, era cheio de garra e teimosia, como ainda hoje, e tinha que vencer. Sendo o líquido que lubrifica o útero rico em enzimas, anticorpos e glóbulos brancos dispostos a destruir invasores: bactérias, vírus, fungos ou células de outra pessoa; espermatozóides, inclusive, não foi tarefa fácil resistir. Muitos obstáculos encontrei pelo caminho, o trajecto pelos canais é não só labiríntico como cheio de perigos: ao invadir o muco, sofri um ataque de uma legião de glóbulos brancos hostis, três vezes mais numerosos do que os milhões de espermatozóides que tive que derrotar. Atravessei o útero até aos ovários, numa corrida electrizante, vencendo todas as barreiras, todos lutávamos desesperadamente para forçar a entrada, mas só eu consegui. Eu fui o nadador imbatível na velocidade. Participei na maior, mais excitante e perigosa aventura da existência e VENCI. 

Nove meses depois nasceu um bebé.

Quando nasce uma criança linda, olhamos para ela e desperta em nós sentimentos de amor, doçura, carinho e ternura, mas se é feia desperta sentimentos opostos. Foi assim quando eu nasci.

Com apenas dois quilos e cem gramas, enfezada e feia, olharam para mim e disseram; temos uma menina tão feinha.

O meu pai disse apenas: "isto não se cria."

Isto era eu. Eu que havia travado a mais dura batalha para estar ali, podia ter desistido, podia, mas eu tinha vindo para ficar. 

Todos temos os nossos limites, nem todos conseguimos realizar os nossos projectos e sonhos, mas eu vinha disposta a consegui-lo. Eu não era só persistente, era também teimosa. Não havia incubadora para meter aquela coisa pequenina que acabara de chegar num dia gélido de Dezembro, cheio de fofa neve, mas isso não me impediria de vencer a minha segunda batalha. Eu tinha uma tarefa no mundo e o meu pai que se preparasse pois eu não tinha desistido até ali e não ia desistir agora. 

Vim com uma missão. Tenho uma tarefa a cumprir. Posso não a cumprir perfeitamente, mas lutarei, tentarei com tudo ao meu alcance e empenhar-me-ei com todas as minhas forças. Assumirei com coragem o desafio que o mundo tem para mim, quer o meu pai acredite, quer não. 

O meu destino ficava a navegar em rumo incerto, estava à deriva nas ondas da turbulência e não havia à vista quem me recolhessem com braços de calor."

Retirado do livro de Mary Sil



Mas, muitos anos passados, ainda continuo aqui e todos os dias luto para vencer as minhas e as suas "tempestades"

Esta sou eu!

PAZ DIVINA

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