O LARANJINHA
Gosto dos dias de Inverno em que o sol brilha e há silêncio no ar. Hoje foi um desses dias em que o trabalho me levou a fotografar a Ria. Quando fazia a última fotografia vi-o, meio curvado dentro de água a apanhar certamente algum marisco. Aproximei-me mais para fazer mais algumas fotos e depois desci a escada até à Ria, atravessei a areia até ele e dirigi-lhe a palavra:
- Bom dia. Posso ver o que está a apanhar?
- Bom dia. Pode, pode, são ostras.
- Ah, adoro! Pode vender-me?
- Sim, quantos quilos quer?
- Depende do preço, quanto custa o quilo?
Depois do preço feito dirigi-me ao carro a buscar o dinheiro e voltei, já ele andava alguns metros à frente com duas mãos cheias de ostras. Esperei que ele voltasse e disse-lhe:
- Quero dois quilos.
- Cada quilo é mais ou menos uma dúzia.
- Tudo bem, eu confio.
Enfiou as duas mãos no balde e foi deitando no saco que eu levei, 1, 2, 3, 4, 5, vezes cinco vinte cinco e leva mais uma mão cheia para ir bem servida.
- Obrigada.
- Sabe nesta altura da vida as coisas não estão fáceis para mim, fez-me um grande jeito esta venda. A minha reforma não dá para nada, a sorte é que eu sei fazer um pouco de tudo. Hoje ando a mariscar, mas também pesco, caço, trabalho na agricultura e faço obras.
- Pois, compreendo, não é fácil um reformado sobreviver neste País, só é bom para os grandes. Mas olhe, vive num lugar maravilhoso e desfrutar desta ria e ter saúde já é alguma coisa boa.
- Onde vive, é turista?
- Não, eu vivo em Loulé e trabalho por todo o Algarve, hoje vim aqui em trabalho.
- Ah, então fique com o meu número de telefone. Sou o Laranjinha, é assim que toda a gente me conhece, quando voltar ligue de véspera que eu arranjo-lhe as ostras. Isto arranja-se de um dia para o outro.
Tirou do bolso da camisa azul ao xadrez um papel e uma esferográfica e escreveu o nome e o número de telemóvel que a seguir me entregou.
Despedi-me dele, desejei-lhe saúde e quando ia a meio caminho voltou a chamar-me:
- Olhe, quero dizer-lhe onde é a minha casa. Chegando ao supermercado vire à direita, depois à esquerda, outra vez à direita e na estrada sem saída a casa forrada a azulejo é a minha, se tem boa memória já fica a saber.
- Não se preocupe Senhor Laranjinha, já tenho o seu número de telefone e o nome pelo qual todos o conhecem eu vou encontrá-lo e virei brevemente para lhe comprar mais ostras.
- Então venha que eu vendo-lhe o balde cheio.
- Até breve.
Quando cheguei ao alto das escadas olhei para trás e o Laranjinha lá continuava curvado na ria a mariscar.
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